Strange Fruit: a canção que o racismo não calou

 

As árvores do Sul dão uma fruta estranha. Folha em sangue se banha. Corpo negro balançando lento. Fruta pendendo de um galho ao vento.

Assim começa a canção Strange Fruit, gravada pela cantora Billie Holliday, em 1939. O poema rascante da canção colocava o dedo na ferida aberta do racismo nos Estados Unidos.
O autor de Strange Fruit era um judeu comunista de Nova York chamado Abel Meeropol (1903-1983), que usava o pseudônimo Lewis Allan para compor. Na letra da música, a “estranha fruta” eram os cadáveres de negros linchados e/ou enforcados nos ultrapreconceituosos Estados americanos sulistas, como registrado na foto abaixo, datada de 1930. (O que queria dizer o homem ao centro apontando para os corpos? E o que dizer da naturalidade dos espectadores?)

Essa canção fazia um veemente protesto contra o odioso sistema que, entre 1889 e 1940, já enforcara mais de 2.700 negros no sul dos EUA. Havia, decerto, outras canções de denúncia, mas Strange Fruit foi a primeira canção contra o racismo a alcançar relevância fora do circuito musical.

Se a letra chocava por ser um ataque frontal ao racismo institucionalizado, a música também não era facilmente assimilável. Gravada só com voz e piano, não era jazz nem folk. O autor do livro, o jornalista David Margolick, diz que a canção era “artística demais para ser música folk e politicamente explícita e polêmica demais para ser jazz”.

A canção, os cantores e o contexto histórico são fartamente desenvolvidos nas 144 páginas do recém-lançado livro Strange Fruit: Billie Holliday e a Biografia de uma Canção. Se não puder ler, ouça alguma das várias gravações dessa música disponíveis no YouTube. Seja na voz de Billie Holliday ou de Nina Simone, o impacto é doloroso e pungente.
Estou passando um vídeo já com a letra mas ouça outros com um dos interpretes cantando. É imperdível e transformador:
 

Letra original em inglês:
Southern trees bear strange fruit
Blood on the leaves
Blood at the root
Black bodies swinging in the southern breeze
Strange fruit hanging from the poplar trees
Pastoral scene of the gallant south
The bulging eyes and the twisted mouth
The scent of magnolia sweet and fresh
Then the sudden smell of burning flesh
Here is a fruit for the crows to pluck
for the rain to gather, for the wind to suck
for the sun to rot, for the tree to drop
Here is a strange and bitter crop

Tradução feita pelo poeta Carlos Rennó:

Árvores do Sul dão uma fruta estranha
Folha ou raiz em sangue se banha
Corpo negro balançando, lento
Fruta pendendo de um galho ao vento
Cena pastoril do Sul celebrado
A boca torta e o olho inchado
Cheiro de magnólia chega e passa
De repente o odor de carne em brasa
Eis uma fruta para que o vento sugue,
Pra que um corvo puxe, pra que a chuva enrugue,
Pra que o sol resseque, pra que o chão degluta,
Eis uma estranha e amarga fruta.

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